sábado, 8 de julho de 2017

O Princípio de Peter em Portugal

Com merecida vénia, a crónica de opinião de Mário Ramires, publicada hoje no semanário "Sol", sob o título "O Princípio de Peter",


«Quando alguém se propõe atingir um determinado objetivo ou o seu cumprimento lhe é imposto pelo Estado, pela lei, por programa, acordo ou pelo simples bom senso, o que é suposto acontecer se manifestamente fracassar? No país em que sobrevivemos, pelos vistos, nada.

Marca-se reunião de urgência, faz-se relatório de desresponsabilização, atira-se para comissão de acompanhamento (ou de inquérito ou de investigação) e siga a marinha (que, neste caso, nem é para aqui chamada).

É assim na tragédia de Pedrógão. Porque morreram 64 pessoas e não podia deixar de haver inquérito, até para apuramento de eventuais responsabilidades criminais e cíveis.

É assim no caso de Tancos. Em que, como se sabe, até já havia inquérito prévio com base em denúncia que alertava para o risco de assalto a paióis militares e o crime em causa não é um furto menor mas, sim, um roubo qualificado e gravíssimo.

Mas também é assim, por exemplo, nas escolas portuguesas, onde alunos com negativas a mais de metade das disciplinas transitam de ano, bastando encaminhá-los para acompanhamento especial que terão ou não.

A falta de exigência, de disciplina, de diferenciação e compensação do mérito, do trabalho, do nível de sucesso ou insucesso dos resultados em relação aos objetivos definidos remete-nos para uma inevitável evocação do ‘Princípio de Peter’.

No caso de Pedrógão e de Tancos, estão mais do que à vista as responsabilidades dos respetivos comandos, pelo evidente défice de... comando e coordenação. Não é preciso o apuramento de mais nada para se retirarem as devidas ilações políticas e hierárquicas. As falhas foram tão patentes e graves que é obviamente necessário apurar tudo o que se passou e respetivos responsáveis, mas a responsabilidade política e dos comandos, essa, não precisa de mais nada.

A demissão de um ou outro ministro, do desastrado secretário de Estado da Administração Interna, do presidente da Autoridade Nacional da Proteção Civil, do presidente do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, de todos os responsáveis pelo SIRESP, ou a demissão do CEMGFA e do humilhado CEME, e dos demais responsáveis que tinham por obrigação salvaguardar o armamento das Forças Armadas Portuguesas, como a PGR que nada terá comunicado aos comandos militares ou à ministra da Justiça ou ao comandante supremo das Forças Armadas que é também o mais alto magistrado da Nação sobre a denúncia recebida de risco de assalto a paiós militares, por ventura adianta de pouco ou nada.

Pedro Nuno Santos tem razão.

Ou, como se diz na caserna, não adianta mudar as moscas se não se limpar a porcaria.

Mas a verdade é que é demasiado evidente, num caso como noutro, que Constança Urbano de Sousa e Azeredo Lopes não têm perfil para os cargos. Não por falta de competências técnicas, que as terão, mas por falta de peso político.

A tutela das forças de segurança do Estado, militares e militarizadas, exige um perfil político forte e com capacidade de influência e de decisão que nem Constança Urbano de Sousa nem Azeredo Lopes têm. E quando assim é, a crise de autoridade começa no topo do Estado e da cadeia de comando, refletindo-se naturalmente nas hierarquias dependentes. E voltamos ao Princípio de Peter.

O problema maior reside na cultura, na mentalidade, na conivência e na cumplicidade, na pequena e na grande corrupção, nos clientelismos, no facilitismo, na falta de exigência, de orientação, de rumo, de estratégia, de comando, de autoridade.

E, por isso mesmo, embora se possa estranhar e pensar que nada tem a ver com nada, voltemos à escola. Porque, para mim, tem tudo a ver.

Com António Costa ainda em Palma de Maiorca – e estou absolutamente convencido que não está de férias – e o resto do país a assistir a uma inacreditável, despudorada mesmo, tentativa de desresponsabilização política perante a tragédia de Pedrógão Grande e o gravíssimo assalto de Tancos, talvez muito poucos prestarão a devida atenção ao despacho 5908 assinado pelo secretário de Estado da Educação e publicado em Diário da República no dia 5 de julho.

Como poucos se aperceberiam da passagem (administrativa) de alunos carregados de negativas ou da decisão de aumentar o tempo de recreio do primeiro ciclo em mais meia hora.

São tudo sinais da sociedade que (não!) queremos e, com as opções deste Governo, estamos a construir.

Se não vejamos o dito despacho, que versa sobre a organização curricular para o próximo ano letivo.

O discurso é todo ele magnânimo, pleno de objetivos elogiáveis de investimento na formação e desenvolvimento das novas gerações, no processo de aprendizagem e nos programas pedagógicos e de ensino de qualidade.

Chegamos, porém, aos anexos e o que verificamos?

Mal resumindo as cargas horárias que é suposto cada escola gerir, com a flexibilidade (e discricionariedade) que lhes é agora reconhecida, dir-se-ia que a opção política do Governo é criar um país de atletas, cientistas e infoexcluídos.

Porquê?

Porque, por exemplo, no 9.º Ano, os alunos passam a ter tantas horas semanais de Educação Física como de História e Geografia juntas. E muito mais horas de Ciências e Físico-Química do que das ditas Ciências Humanas. E praticamente acaba-se com a disciplina de tecnologias e informação.

Estamos a falar da preparação das gerações que entrarão no mercado de trabalho daqui a 10 ou 15 anos.

Pode ser que sejam todos atletas de sucesso tipo CR7 ou génios como Mourinho ou que a Agência do Medicamento até venha para Lisboa ou Porto e haja lugar para mais alguns cientistas, mas a verdade é que, por este caminho, continuamos a trabalhar para reforçar o número de portugueses cheios de habilitações literárias, muito pouca qualificação e, sobretudo, sem futuro...

O que diz um licenciado desempregado para um licenciado empregado? «Um Big Mac, por favor».

A anedota teria graça se não correspondesse à realidade.

A verdade é que nem as mulheres e homens de amanhã têm a ganhar com a educação que hoje lhes queremos dar, nem muito menos o país.

Um país que não promove os seus valores e não prepara, com qualidade, disciplina e exigência as suas gerações mais novas para os desafios que já temos pela frente vai muito bem desencaminhado.

E impreparado. Depois, choramos. E somos solidários e tolerantes com a incompetência.

Desgraçados.»

Sem comentários: