quarta-feira, 14 de junho de 2017

Portugal é Lisboa e o resto é paisagem...

O Editorial publicado hoje no jornal "Público", intitulado "Portugal é Lisboa e não se fala mais nisso", da autoria de Amílcar Correia, editor executivo. Com a merecida vénia,

«O Governo tem um discurso descentralizador para fora e centralizador para dentro. Na teoria, descentraliza. Na prática, centraliza. Paulo Rangel não podia estar mais certo quando escreveu na edição de ontem do PÚBLICO que a decisão de candidatar Lisboa a receber a Agência Europeia do Medicamento era “a mais refinada hipocrisia e o mais rematado cinismo de um Governo e de um primeiro-ministro que se dizem amigos da descentralização e da coesão territorial”. António Costa perdeu uma excelente oportunidade para provar que a descentralização, para o PS, não é um verbo de encher. Percebeu-se desde o início deste caso que a história é sempre a mesma: uma localização alternativa nunca esteve em cima da mesa e no século XXI ainda se confunde o país com uma cidade e o resto com a paisagem. E não se fala mais nisso.

Quem gere o Estado a partir de Lisboa e pensa primeiro em Lisboa e só a seguir no país não está a pensar no interesse de todos, a começar por Lisboa: imaginem uma terceira agência europeia no Cais do Sodré... É uma visão parcelar achar que só se beneficia o país se se beneficiar a capital, ou preferir prejudicar o país a beneficiar outra cidade, porque um dos critérios a ter em conta será o da distribuição geográfica. Basta olhar para lá de São Bento para perceber a tontice de candidatar Lisboa a receber mais uma agência: Espanha e Itália não instalaram nenhuma das suas em Madrid ou Roma e candidataram Barcelona e Milão, respectivamente.

É caricato que o primeiro-ministro argumente que a escolha de Lisboa se deva à localização do Infarmed e à possibilidade de criar uma escola europeia com o acréscimo de funcionários da UE em Portugal (um argumento de última hora para convencer o presidente da Câmara do Porto). Risível. Rui Moreira está carregado de razão quando acusa Costa de ser “duplamente centralista”: o Infarmed está em Lisboa porque o Estado está em Lisboa e há países onde a escola dos filhos dos funcionários da UE se situa numa cidade diferente daquela onde está localizada a agência. Provavelmente, esta agência (a deslocalizar devido ao “Brexit”) nem virá para Portugal. Mas o caso é revelador de um estrabismo da classe política que é transversal às direcções de todos os partidos, que olham com displicência para um caso como este, sem lhe dar a importância política e de desenvolvimento estratégico que tem para o país.»

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