sexta-feira, 30 de junho de 2017

António Costa e a tragédia de Pedrógão Grande

O editorial de hoje do "Jornal de Negócios", intitulado "O ‘focus group’ do centrão", da responsabilidade de Raul Vaz. Com a devida vénia,

«António Costa não perde tempo. Pediu a um ‘focus group’ uma avaliação do impacto que a tragédia de Pedrógão teve na sua popularidade e na do seu governo. E parece que as conclusões o animaram.

Apesar dos 64 mortos, vítimas de um caos próprio do terceiro mundo, sem comunicações, sem uma intervenção da Protecção Civil articulada em tempo útil, sem uma prevenção à altura dos alertas meteorológicos e no meio de uma floresta ao Deus dará, o primeiro-ministro não perdeu o norte. Apostou no empurrar com a barriga do apuramento de causas e responsabilidades. Assumiu o papel de bombeiro que cuida dos vivos e reconstrói das cinzas. Ganhar tempo é o segredo para sair do fogo.

A oposição ajuda. Pedro Passos Coelho não soube, não quis e (depois da ‘gaffe’ dos suicidas) não pôde liderar a oposição política a um governo que não foi capaz de assumir as responsabilidades. Bastava perguntar em voz alta o que pensa António Costa da forma como o seu ex-colega de governo Jorge Coelho saiu de cena quando a queda de uma ponte matou menos pessoas que Pedrógão. Mas ninguém quis fazer perguntas difíceis. Há um silêncio estranho no ar.

As falhas congénitas na gestão da floresta, nos negócios dos SIRESP, na prevenção dos fogos e na administração interna tolhem os partidos do centrão. Subitamente, o arco da governação que parecia ter morrido com a inovadora geringonça do inovador primeiro-ministro, está de volta. O centrão, afinal, está vivo. E é o centrão que se propõe atirar para daqui a três meses (90 dias) conclusões globais sobre o que falhou e porque falhou.

O Presidente da República lançou um grito de guerra, mas gritou tarde demais. Tinha passado uma semana quando Marcelo pediu que sem medos se apure de forma rápida e exaustiva tudo sobre Pedrógão. Tarde demais. António Costa já tinha posto em marcha a sua estratégia de gestão de danos. Com autárquicas daqui a três meses, respostas definitivas sobre Pedrógão, só depois das eleições. Até lá, o caos do passa-culpas baralha o jogo e ninguém agarra ninguém.

Bombeiros dizem uma coisa, Protecção Civil outra, o SIRESP nega falhas, uma fita do tempo de uma caixa negra oficial prova as falhas, mas não chega. O Governo vai esperar pela comissão técnica independente que há-de concluir, serenamente, lá mais para a ‘rentrée’, quando, fresquinhos das férias, os portugueses já tiverem sarado parte da sua dor imensa.

"Ai Portugal, Portugal. Se não te levares a sério, ninguém te vai ajudar", cantava Jorge Palma, no concerto que recolheu um milhão para Pedrógão. Milhões. Vão ser milhões, da solidariedade, da Europa, dos fundos, dos subsídios, do Estado. Oxalá. É preciso apoiar as vítimas, reconstruir casas e empresas, reflorestar, dar vida ao território, ajudar as pessoas a ter força para continuar, e aproveitar o choque para, de uma vez por todas, mudar as regras de uma floresta desordenada.

Mas seria um crime a culpa ficar solteira. António Costa gosta de olhar para a frente e está com medo de olhar para trás. O futuro gosta disso. E as consciências pesadas são tantas que ajudam a desfocar responsáveis. Lá mais para Setembro, quando chegarem as conclusões e depois do PS ter ganho as autárquicas, talvez Costa peça a Constança para, finalmente, tirar as respectivas "ilações". Os ‘focus group’ não o aconselham a ter pressa. O povo gosta de políticos bombeiros. "Ai Portugal, Portugal ...". »

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