quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Como educar as nossas filhas?

Com a merecida vénia, o artigo de opinião de Henrique Raposo intitulado "Abstinência e deboche: como educar filhas?", publicado no dia 30 de Dezembro de 2016 na "Newsletter Renascença": 

«À medida que elas crescem, a preocupação aumenta: como é que vou educar as minhas filhas numa época em que os rapazes têm o hábito de filmar e divulgar a privacidade na net? Como é que vou educar duas raparigas numa época em que a “libertação dos costumes” desembocou na profanação do corpo feminino? Hoje em dia assume-se que o corpo feminino é feito com peças de lego removíveis. Ainda há dias uma revista de moda afirmou que o busto grande é démodé. Quem tem seios fellinianos está fora de moda. Keira Knightley rejubila enquanto as outras só têm um caminho: escondê-los ou, quem sabe, retirá-los. É como se os seios fossem peças de roupa ou móveis ikea. Décadas de feminismo radical e de alegada “libertação sexual”, décadas de luta contra os velhos códigos religiosos acabaram neste espectáculo: o corpo feminino é um lego que se monta e desmonta. Além disso, o nu feminino saltou das revistas eróticas e está por todo o lado, do instagram aos anúncios dos autocarros. Um indivíduo de 2016 vê por dia a quantidade de rabos que um indivíduo de 1956 via numa vida inteira. É demais. Se tudo é sexo, nada é sexo. Ou seja, a alegada “libertação sexual” matou o erotismo. Nada é implícito, não há interditos. Tudo é aberto, transparente, quase ginecológico. Não há sofisticação erótica à Fellini ou à D. Rigoberto, isto é, não há um olhar centrado na relação pessoal e intransmissível que cada pessoa tem com o sexo. Da net aos anúncios, esta avalanche explícita reduz-nos à condição animal, a uma manada de seres indistintos com uma visão pornográfica (e não erótica) do sexo. O paradoxo é notável: a época da banalização do sexo é também a época que mata o prazer. Alguém me pode dizer qual é a graça de um sexo sem interditos e riscos por pisar? Se não há riscos na cama, sobra o quê? Trepidação mecânica? Mecânica dos fluidos? Fussanguice genética?

Mas deixemos o prazer para outro dia e concentremo-nos na moral, até porque há dias a juventude do CDS começou a falar em “abstinência sexual”. Numa época em que o coito da vizinha está à distância de um clique, é preciso coragem para invocar a expressão “abstinência”. Concorde-se ou não, há que reconhecer a coragem. Importa contudo clarificar a ideia. O que se entende com “abstinência sexual”? Sexo só depois do casamento? Respeito quem segue este caminho, mas não me parece o único caminho aceitável e/ou cristão. O que é essencial é educar para ver no sexo o outro lado do amor. Portanto, eu não usaria a expressão “abstinência sexual”, que tem evidentes ressonâncias monásticas que levam a equívocos e caricaturas. Ao invés, utilizaria frases simples: devemos ensinar os nossos filhos a ver no sexo uma expressão do amor que se sente por alguém; “amor monogâmico” devia ser pleonasmo; a monogamia não é uma imposição exterior da sociedade, é um respeito que se deve à outra pessoa. Mas o que é extraordinário é sentirmos que esta defesa do amor pode ser vista como negativa pelo ar do tempo. Chegámos ao ponto em que o rótulo de “reaccionário” pode cair sobre aquele que ensina a sua filha a ter sexo apenas e só como expressão de amor. Chegámos ao ponto em que este código moral simples e intuitivo pode ser visto como uma intromissão na livre expressão da sexualidade do adolescente, que desce assim ao estatuto de mero orangotango excitado e desprovido de juízo moral.

Mas tudo isto é uma conversa pessoal e moral que não pode cair na esfera estatal. Pode e deve cair na esfera pública. Cada sensibilidade religiosa e política tem o direito de defender os seus códigos morais, até tem o direito de tentar a hegemonia moral e cultural; não tem é o direito de tentar a hegemonia legal. Deixemos o Leviatã fora das nossas camas. E esta parece-me a grande fragilidade da proposta da juventude popular. Os jovens do CDS estão a pedir uma paridade entre a agenda fracturante e a moral católica. A primeira começa a ser ensinada logo no 5º ano (aborto), a segunda só surge no 10.º ano (abstinência sexual); os jovens conservadores procuram assim uma reforma deste estado de coisas, exigindo o que parece óbvio: a abstinência também deve ser ensinada no 5.º ano. A lógica é irrepreensível, mas parte de um pressuposto errado. Não se deve defender a equiparação entre abstinência e aborto, deve-se defender a ausência do ministério da educação nesta matéria. A escola não deve ter moral sexual, nem de esquerda nem de direita; não deve sugerir às alunas que um filho pode ser um ente descartável. O ensino público não pode ser a “religião e moral” das causas fracturantes. Na escola, o sexo só deve ser assunto para as aulas amorais e científicas da biologia ou ciências da vida, disciplinas que falam do sistema reprodutor, de doenças, de saúde pública, dos perigos físicos e psíquicos de uma gravidez adolescente. Esta é a única visão sexual aceitável numa escola estatal. O resto, o essencial, é com cada um de nós. As minhas filhas estão no perímetro moral da nossa família, dos nossos amigos, das igrejas que frequentamos, das opiniões que seguimos no espaço público. Não estão no perímetro do Estado, sobretudo de um Estado capturado pela esquerdinha fracturante que nos transforma em orangotangos incapazes de controlar a mais pequena gota de luxúria.»

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