sexta-feira, 12 de agosto de 2016

Contra o "brunch"

«É difícil almoçar ao domingo. Eu tento, mas não tenho conseguido. O almoço caiu em desuso e, neste momento, só se consegue comer em estrangeiro. Muitos restaurantes não têm almoço, têm brunch. O brunch, como o próprio nome indica, é uma mixórdia, na medida em que resulta da amálgama das palavras inglesas para pequeno-almoço e almoço. Essa salsada é evidente nas mesas de brunch. Iguarias que não foram feitas para conviver ocupam o mesmo espaço. Pataniscas de bacalhau fumegam por baixo de uma taça de cereais. Uma fila de iogurtes ladeia uma travessa de arroz de tomate. Papas de aveia borbulham junto de uma bandeja de sushi. No fim, não sei se almocei mal ou se tomei pequeno-almoço a mais. Sou um pisco ou um alarve? Tenho fome ou estou enfartado?

Quem está mais interessado em comer do que em reflectir sobre a existência (é quase sempre o meu caso) deve evitar o brunch. É uma refeição que, além disso, nos confronta com o pior que há no ser humano. Sabemos bem que, por muito civilizado que seja o meio em que vivemos, estamos sempre apenas a um passo da barbárie. O brunch é servido em regime de buffet, e as pessoas aproveitam o ambiente de permissividade para se comportarem como se não houvesse limites nem decência. Tenho visto empratamentos absolutamente chocantes. No passado domingo, uma selvagem levava no prato um filete de pescada, três panquecas, dois mini-hambúrgueres, carnes frias e um triângulo de queijo Camembert com compota de framboesa. Não era um repasto, era falta de educação empratada. Acompanhou com um copo de café com leite. Apresenta-se queixa ao empregado e ele diz que tem as mãos atadas. Que não pode limitar a liberdade das pessoas. Que podem fazer as misturas que entendem. Que a minha mulher tinha todo o direito de compor aquele prato.

Podem acusar-me de reaccionarismo gastronómico. Estou pronto para defender as minhas escolhas. Sou uma pessoa que gosta de pratos que podem designar-se por uma palavra apenas. Cozido. Dobrada. Chanfana. Rancho. A simplicidade breve da designação, que normalmente contrasta admiravelmente com a abundância do prato. Serei um bruto, talvez. Mas não aceito lições de civilidade destes mixordeiros de domingo, cujo prato parece o balde que a minha tia Isaura dava às galinhas.»

(Crónica de Ricardo Araújo Pereira, intitulada "Restauração esquisita", publicada na revista "Visão" de 28 de Abril de 2016)

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