segunda-feira, 27 de junho de 2016

Ramalho Eanes

Com a devida vénia, o artigo de opinião do jurista João Gonçalves, com o título "Eanes", publicado hoje no "Jornal de Notícias", dia em que o general Ramalho Eanes foi homenageado e condecorado pelo Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa:



«No dia 27 de Junho de 1976, perfazem-se hoje quarenta anos, António dos Santos Ramalho Eanes foi eleito presidente da República. Pela primeira vez na nossa história, contemporânea ou outra, o chefe de Estado era escolhido através do sufrágio universal, directo e secreto. Eanes vinha do MFA democrático, ou seja, daquele que fez o 25 de Abril de 1974 - ainda presidiu à RTP, demitindo-se após o 11 de Março de 1975 - e o 25 de Novembro de 1975. Esta última data graduou-o em general para poder ascender à chefia de um Exército dividido, indisciplinado e "politizado". Imediatamente mandou repetir um juramento de bandeira "revolucionário" no então RALIS, feito de punho estendido, a que presidira o seu infeliz antecessor Carlos Fabião. O jovem general sabia da importância do formalismo e dos símbolos no exercício de cargos de responsabilidade nacional. Os militares dominavam a cena política apesar das eleições legislativas, também as primeiras, de Abril de 1976. O Governo Provisório, o VI, tinha à sua frente um almirante, Pinheiro de Azevedo, que se convenceu ir ser apoiado, nas eleições presidenciais de Junho daquele ano, pelos dois principais partidos, o PS e o PPD. Todavia, os equilíbrios exigidos pelas precárias legitimidades do regime (a revolucionária e a democrática) conduziram aqueles partidos até à candidatura do chefe do Estado-Maior do Exército. Sá Carneiro antecipou-se ao PS na declaração de apoio a Eanes, graças à capacidade de manobra em bastidores de alguns próximos, como o frenético jornalista do "Expresso" Marcelo Rebelo de Sousa. O primeiro-ministro acabou por concorrer tal como o ícone do "poder popular", Otelo Saraiva de Carvalho. Otelo ultrapassaria o candidato do PC, Octávio Pato, mas Eanes ganhou folgadamente. Nunca ninguém, antes ou depois dele, teve tanto poder e autoridade concentrados numa só pessoa em Portugal: presidente da República, chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e, por inerência, presidente do Conselho da Revolução, apenas extinto na revisão constitucional de 1982, já durante o seu segundo mandato presidencial. Austero, afectuoso sem espectáculo, probo, intransigente na defesa do interesse público e observador escrupuloso das regras democráticas que, em 1976, eram uma novidade, Eanes era o candidato "natural" de Portugal. Com uma coragem física e uma determinação moral indisputáveis, persiste um exemplo e um dos nossos, poucos, melhores.»

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